“Flowers of South-West Europe - a field guide” - de Oleg Polunin e B.E. Smythies
“Revisitas” de regiões esquecidas no tempo - “Plant Hunting Regions” - a partir de uma obra de grande valor para o especialista e amador de botânica como da Natureza em geral.
Por
Horst Engels, Cecilia Sousa, Luísa Diniz, Nicole Engels, José Saraiva, Victor Rito
da
Associação “Trilhos d’Esplendor”
2.13 The Northern Serras of Portugal
2.13 As Serras do Norte de Portugal
2.13.2 Serra da Estrela
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Folha de Cálculo: Flora da Serra da Estrela
(Lista provisória de plantas vasculares e não-vasculares)
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Mapas das Serras do Norte de Portugal:
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2.13.2 Serra da Estrela
Aspectos glaciários da Serra da Estrela e refúgios pleistocénicos de espécies
Já referimos nos capítulos anteriores que existem na Serra da Estrela espécies relíquias como a Cryptogramma crispa, um feto, que se encontra nas altas montanhas da Península Ibérica com sinais da última glaciação Würm.
Cryptogramma crispa
Distribuição de Cryptogramma crispa na Espanha.
Esta espécie existe também na Serra da Estrela.
Também a topeira-da-água (Galemys pyrenaicus) da família Talpidae, mamífero semi-aquático e endemismo ibérico com distribuição actual no norte-oeste da Península Ibérica habita a Serra da Estrela. Foi publicado em 2013 um artigo interessante (download do artigo) sobre a filogeografia e expansão pós-glacial da espécie Galemys pyrenaicus que suporta fortemente a hipótese que existiram diversos refúgios pleistocénicos para Galemys pyrenaicus na Península Ibérica que determinaram a constituição genética actual desta espécie.
Topeira da Água (Galemys pyrenaicus)
Galemys pyrenaicus - distribuição ibérica (From: Wikipedia)
(subespécies definidos perante critérios morfológicos)
Mapa provisório de distribuição de Galemys pyrenaicus na Serra da Estrela (Carvalho, H. 1994)
Distribuição de Galemys pyrenaicus na região da Serra da Estrela (Fonte: ICNB 1994)
No entanto, a questão da dinâmica fito-zoogeográfica da Serra da Estrela e a sua função como centro evolutivo para novas espécies é cientificamente complexa, uma vez que a Serra da Estrela (pertencente geologicamente ao Sistema Central Ibérico (com características climáticas atlánticas no oeste e continentais na parte este) é também fortemente influenciada pelas climas temperadas e atlánticas (que se encontra também no Maciço Galaico-Leones e Cantâbrico) e também pela influença do clima mediterrânico (nos andares mais baixos das vertentes sul e este). Assim, a história biogeográfica complexa da Serra da Estrela manteve-se até agora sem possibilidades de resposta científica satisfatória. Isso parece mudar com a introdução de um novo e emergente ramo científico (derivado da biogeografia), da filogeografia, que reúne métodos filogenéticos, cladísticos e biogeografia com métodos da genética populacional e molecular.
Analysis filogeográfica de Galemys pyrenaicus
(Phylogeographic analysis of the mitochondrial sequences of Galemys pyrenaicus. (A) Map of the northern part of the Iberian Peninsula showing the 134 samples of G. pyrenaicus used in this study. The grayed area represents the historical species distribution according to different sources. Names of mountain ranges mentioned in the text are shown. Each sample is represented by a circle, but a few samples with the same coordinates cannot be discerned. Colors of the samples indicate the four different mitochondrial lineages recovered in the phylogenetic analyses (A1, A2, B1 and B2). The single locality with two samples belonging to two different lineages (B1 and B2) is shown with both corresponding colors. The purple line indicates the genetic barrier identified by the Monmonier’s Maximum Difference algorithm (the intersection with the species distribution area is shown with stronger color). (B) Haplotype genealogy of the concatenated mitochondrial sequences based on a maximum-likelihood tree. Circles represent haplotypes, with size being proportional to the number of individuals, and black dots representing intermediate, unsampled haplotypes. (C) Bayesian tree of the same sequences. Posterior probabilities for relevant clades are shown. The scale bar represents 0.001 substitutions/position.)
Mas, antes de chegar mais à frente ao novo e fascinante ramo científico da filogeografia (que tira proveito das novas técnicas da genética molecula), olhamos mais uma vez “macroscopicamente” para a Serra da Estrela como paisagem influenciada pela glaciação Würm, e para algumas serras do Maciço Galaico-Leones, por exemplo as Serras de Cabrera e Ancares, com características de morfologia glaciar e/ou geomorfologia parecidas às da Serra da Estrela.
Glaciar de tipo “fjell” da Serra da Estrela.
(Reconstituição tridimensional em perspectiva dos glaciares da Serra da Estrela durante a Glaciação Würmiana - Vista de Norte para Sul. (From: E. Martins e Paulo Silveira, 2008; adaptado de Vieira, 2004))
Existem nestas regiões serranas do norte-oeste da Península Ibérica de facto estruturas geomorfológicas com habitats favoráveis para espécies normalmente encontradas em refúgios glaciares, como por exemplo Chionomys nivalis, um pequeno mamífero que vive actualmente nas serras altas da Península Ibérica (como nos Pirinéus, na Cordilheira Cantâbrica (chegando ao Maciço Galaico-Leones), nas Serras de Gredos e Guadarrama e na Serra Nevada) e da Europa Central onde existem habitats rochosos com cascalheiras (mas existe não apenas nas serras - no sul da França este pequeno roedor chega também para as planícias mais baixas).
Chionomys nivalis
Selected specimens of vertebrates from Santimamiñe. Eliomys quercinus 1 left m1; Glis glis 2 right m1 or m2; Apodemus sylvaticus 3 right M1–M2–M3; Arvicola amphibius 4 left m1; Microtus (Terricola) lusitanicus 5 right m1; Microtus arvalis 6 right m1; Microtus agrestis 7 right m1; Chionomys nivalis 8 right m1; Microtus (Alexandromys) oeconomus 9 left m1; Sorex gr. araneus–coronatus 10 right mandible in lateral view plus condyle in posterior view; Sorex minutus 11 incomplete left mandible with m1–m2–m3 in lateral view plus condyle in posterior view; Myotis sp.12 incomplete left mandible with m2–m3 in lateral view; Anguis fragilis 13 left dentary in medial view;14 osteoderm; Vipera sp.15 trunk vertebrae in lateral view; Lacertidae indet.16 incomplete dentigerous in medial view; Rana gr. temporaria–iberica17 sacral vertebrae in posterior view; 18 right ilium in lateral view; Epidalea calamita 19 left ilium in lateral view; Cervus elaphus 20 incomplete right maxilla. Specimens 1–9 are in occlusal view.
Se Chionomys nivalis existe também na Serra da Estrela é ainda desconhecido. A espécie provavelmente não habita actualmente a Serra da Estrela (como ainda não foi capturada ou observada na Serra da Estrela), mas pelo menos as condições climáticas e os habitats favoráveis devem existir para este pequeno roedor na Serra da Estrela, e no Pleistocénico a distribuição de Chionomys nivalis e de outras espécies aparentadas foi já mais ampla (como fósseis por exemplo da região de Leiria demonstram) de forma que que esta espécie provavelmente já deve ter já existido também na Serra da Estrela.
Glaciação da Serra da Estrela
Após os primeiros estudos sobre a glaciação da Serra da Estrela, onde se destaca o trabalho de H. Lautensach (1929), foi Susanne Daveau que publicou em 1971 um trabalho em que descreve pormenorizadamente a glaciação da Serra da Estrela. Deste trabalho resulta o mapa da glaciação da Serra da Estrela que serve hoje de referência.
Segundo Daveau (1971, p. 16-17) um glaciar de tipo “fjell” sem nunatak cobriu o cume da Serra da Estrela, com línguas glaciares de Zezere, Alforfa, Estrela, Loriga, Covão Grande e Cocão do Urso. Este tipo de glaciar “fjell” é raro na Península Ibérica e os encontrava-se apenas na Galiza no massiço de Segundera-Cabrera num estado comparável com o da Serra da Estrela.
(Daveau 1971, p. 16-17) … (Quelle était l'épaisseur du glacier en coupole qui couronnait le plateau? Il est impossible de le dire exactement un minimum de plusieurs dizaines de mètres paraissant probable si l'on songe à l'importance des masses de glace qui s'écoulaient par les vallées (fig. 5). Aucun nunatak ne paraît avoir émergé du grand dôme de glace, sauf en deux points presque opposés. Au Nord, sur la croupe de Conchos où lc glacier aminci se divisait en une triple diffluence vers les deux vallées formant à l'aval le glacier de Covâo do Urso et vers le cirque de Covôes, deux «chateaux de roches» se dressent à 1704 m et 1701 m et devaient dominer faiblement le manteau de glace. Au Sud-Est du glacier, le petit plateau du Cântaro Raso qui sépare les deux cirques profonds du Zezere et de la Ribeira de Alforfa, a été couvert par les glaces qui y ont laissé des dépôts morainiques, sauf à son extrémité orientale où un petit nunatak apparaît à 1914 m, la ou la glace devait se diviser par diffluence entre la branche principale du glacier du Zêzere et un rameau affluent. La coupe que l'on peut ainsi reconstituer pour la partie orientale de la coupole glaciaire (fig. 4) rend vraisemblable une épaisseur de quelque 80 m au sommet de la montagne.)
…
(Daveau, 1971, p. 38) … Bien qu'ils se soient développés sur des massifs atteignant des altitudes plus élevées, les autres centres de glaciation de la Cordilheira Central sont nettement moins importants que celui de la Serra da Estrela. D'Ouest en Est, l'attitude des neiges persistantes et celle de l'extrémité des moraines s'élèvent progressivement. Dès l'extrémité occidentale de la Sierra de Gredos, dans le massif de Béjar qui atteint 2401 m d'altitude, la limite des neiges se tient à 1700 m ou à 1850 m selon l'orientation (ce qui semble indiquer un rôle au moins aussi considérable du facteur ensoleillement que dans la Serra da Estrela) et le plus long glacier se termine à 1300 m au bout de 3 km. Aucun massif ne paraît avoir connu de fjeU comparable à celui de la Serra da Estrela mais seulement des glaciers de vallée ou de cirque. Dans certains massifs, les auteurs décrivent à l'avant des moraines principales des restes plus ou moins bien conservés de dépôts, que certains considèrent comme des reliques d'une glaciation rissienne, tandis que d'autres tendent à y voir deux épisodes d'une seule et même glaciation.
La glaciation la plus comparable à celle de la Serra da Estrela paraît être celle du massif de Segundera-Cabrera (2045 m), situé aux confins de la Galice et du Leon, non loin de la frontière septentrionale du Portugal. Les hautes surfaces ont porté un glacier de fjell dont se détachaient diverses langues. Les moraines extrêmes de la plus longue, développée sur le versant sud-est, enserrent le lac de Castaneda à 1000 m d'altitude et se raccordent à la plus basse terrasse du Rio Tera, sous-affluent du Douro.
O planalto (fjell) da Serra da Estrela, os circos, covões e vales das línguas glaciarias e outros indícios como as moreias, desta última glacião Würm são bem visíveis no terreno e encontram-se também facilmente nas imagens satelites.
Morenas (moreias) glaciares na Serra da Estrela.
Glaciares do Zezere e de Candeeira:
Vale glaciar do Zezere, visto na direcção para Manteigas.
Nave de Sto. António com cristas morénicas e blocos heterométricos.
Nave de Sto. António com cristas morénicas e blocos heterométricos.
Vale glaciar do Zezere e Covão da Ametade, na imagem Satelite (Google-Earth)
A moreia do ‘Espinhaço do Cão’ na confluência de dois glaciares, do Zezere e da Candeeira.
Glaciares de Alforfa e Estrela
Vista para o Circo do glaciar Alforfa (com Barragem do Covão de Ferro), Vale de Alforfa e
Alto da Pedrice (com cascalheiras (screes)).
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Vale glaciar do Rio Alforfa com zonas periglaciares de cascalho (scree). A esquerda o glaciar da Estrela. (Imagem satelite de Google-Earth).
Glaciar de Loriga
Vale de Loriga, visto do planalto da Serra da Estrela em direcção para Loriga.
Também bem visível alguns lagos glaciares e a Barragem do Covão do Meio.
Glaciar do Covão Grande
Glaciar do Covão do Urso
Covão do Urso, Serra da Estrela
Morfologia Glaciar
Elisabete Martins e Paulo Silveira escrevem no Guião Biológico sobre as Glaciações a a Flora da Serra da Estrela sobre a Morfologia Glaciar:
Os vestígios claros, bem conservados, da dinâmica glaciar e periglaciar do Plistocénico Superior, existentes maioritariamente no planalto superior da serra e vales periféricos, permitem hoje fixar com grande rigor a extensão dos glaciares, quase em toda a área afectada.
As formas de erosão glaciária actualmente observáveis neste maciço só são evidentes em altitudes superiores a 1300 metros. As formas de maiores dimensões, que não ultrapassam a dezena de quilómetros, são as que conferem um maior interesse paisagístico à Serra da Estrela e incluem: (i) os circos glaciários (ou covões), dos quais se destacam, pelas suas maiores dimensões, o Covão Cimeiro e o Covão do Ferro que constituem, respectivamente, as cabeceiras dos vales do Zêzere e do Alforfa; (ii) os vales glaciários, de perfil transversal em U, (p. ex. o curso superior do vale do Zêzere), muitas vezes marcados por uma irregularidade dos seus perfis longitudinal e transversal, devido a uma sucessão de ombilics (covões) e verrous (ferrolhos) dispostos em degraus, em particular nos troços mais a montante, como se verifica nos altos vales de Loriga e do Zêzere; (iii) vales suspensos, sendo o vale da Candeeira, na margem esquerda do Zêzere, um dos melhores exemplares; (iv) numerosas lagoas, que podem ocupar circos glaciários e/ou apresentar-se dispostas sucessivamente ao longo de uma mesma linha de água, sendo por isso designadas por “lagoas em rosário”, constituindo um bom exemplo a sucessão de lagoas no vale de Loriga. Entre as formas de erosão glaciária de dimensões intermédias, variáveis entre poucos metros a algumas centenas de metros, podemos encontrar na área que foi glaciada exemplos de rochas aborregadas e de ferrolhos e, mais raramente, de dorsos de baleia. As formas mais pequenas apresentam-se como marcas de fricção, estrias e caneluras, frequentes nas superfícies polidas observáveis, por exemplo, nas zonas de Salgadeiras ou Lagoa Comprida. A orientação das estrias e caneluras permite inferir a direcção do movimento dos glaciares. Por vezes, nas superfícies rochosas podem observar-se cristais centimétricos de feldspato, veios ou filões de quartzo salientes que conservam as suas superfícies polidas por acção glaciar.
As formas de acumulação glaciária mais fáceis de identificar na Serra da Estrela, geralmente bem conservadas, são as moreias, em particular as moreias laterais. Os blocos erráticos de dimensões variáveis, dispersos sobre superfícies rochosas de natureza litológica diferente, são igualmente formas de acumulação glaciária vulgares.
Como exemplo da acção periglaciária (em zona não glaciada) destaca-se, pelo carácter espectacular que confere à paisagem, a vertente de blocos angulosos a sub-angulosos que cobre o flanco ocidental do maciço granítico da Pedrice, que corresponde à vertente esquerda do vale do Alforfa.
Particularmente interessante é o contraste morfológico entre áreas graníticas que estiveram glaciadas e áreas graníticas que não sofreram a acção glaciar. Entre as formas de relevo residual que se encontram nas áreas graníticas que não estiveram glaciadas destacam-se as formas de escala média que lembram castelos em ruínas ou apenas caos de blocos. São também frequentes os blocos graníticos pedunculados, zoomórficos, antropomórficos ou com forma de objectos. Entre as formas de pormenor, de dimensão métrica ou decimétrica, destacam-se as vulgares pias, os tafoni e as caneluras. A pseudoestratificação é outra forma curiosa, bem desenvolvida nos afloramentos de granitos de grão médio a fino, do Alto Planalto da Torre.
Veja à seguir: 13. The Northern Serras of Portugal (Serra da Estrela (Aspectos glaciários - d2))
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