“Flowers of South-West Europe - a field guide” - de Oleg Polunin e B.E. Smythies
“Revisitas”
de regiões esquecidas no tempo - “Plant Hunting Regions” - a partir de
uma obra de grande valor para o especialista e amador de botânica como
da Natureza em geral.
Por
Horst Engels, Cecilia Sousa, Luísa Diniz, Nicole Engels, José Saraiva, Victor Rito
da
Associação “Trilhos d’Esplendor”
Every man carries within himself
a world made up of all that he has seen and loved; and it is to this
world that he returns incessantly, though he may pass through, and
seem to inhabit, a world quite foreign to it.[1]
I - Introdução
1.1. “A la recherche du temps perdu e ?retrouvé?”
Quando
era ainda estudante de biologia na Universidade de Bona, entre 1970 e
1978, encontrei um dia numa grande livraria de Bona um livro que acabou
de ser publicado nesta altura, livro que gostei imediatamente pela
apresentação e que ia acompanhar-me durante toda minha vida. Este livro é
o guia de campo “Flowers of South-West Europe” [2][3][4]de Oleg Polunin e de Bertram E. Smythies.
Já
tinha viajado várias vezes para Espanha e Portugal, e fazia me falta um
guia de campo para poder identificar as inúmeras espécies de plantas
até aí por mim desconhecidas. Este livro foi um achado - e posso afirmar
sinceramente que apaixonei-me logo por ele. Primeiro, tinha um quadro
em 4 cores da utilização dos terrenos (“Land Use”)
da Península Ibérica - quadro com bastantes cores e pormenores. Como um
biólogo de campo fica frequentemente ou talvez até quase sempre atraído
em primeiro lugar pela estética dos objectos da Natureza, foi de
certeza por isso que a apresentação bonita do livro me fascinou
imediatamente. Segundo, a obra tinha “23 plant hunting regions”,
áreas valiosas de “caça” para um amador botânico como eu, onde se podia
encontrar as espécies mais bonitas e raras de plantas da Península
Ibérica. E em terceiro lugar, tinha uma descrição pormenorizada,
incluindo muitas fotografias, de mais do que 2400 das cerca de 6000
espécies de plantas existentes na área coberta pelo livro. Só a partir
de 2012 temos em Portugal numa Flora-On,
página Web e Base de Dados na Internet, um instrumento com fotografias
para preencher esta lacuna de uma ilustração exaustiva da flora
portuguesa - e naturalmente a Flora Iberica, a principal e ainda inacabada flora da Península Ibérica (nem ainda começada nesta altura quando eu era estudante).
Oleg Polunin era botânico, Bertram E. Smythies era ornitólogo, inglêses que foram galardiados em 1983 (Polunin) e 1985 (Smythies) com o prémio H.H. Bloomer da Linnean Society.
Ambos os premiados já faleceram, Oleg Polunin em 1985, Bertam E.
Smythies em 1999. Mas ficam para sempre as obras maravilhosas deles, Flowers of South-West Europe and Flowers of Greece and the Balcans entre outras. Estas duas obras são floras locais e complementos para o livro Flowers of Europe de Oleg Polunin.
O guia de campo de Polunin & Smythies tem, no entanto, uma base sólida em trabalhos botânicos de Heinrich Moritz Willkomm, um botânico alemão de origem de Sachsen, que fez 3 expedições botânicas para a Península Ibérica (1844-1846; 1850 e 1870)[5][6] em que coleccionou mais do que 30.000 exemplares de plantas. Este Herbário de Willkomm[7] existe ainda hoje na Universidade de Coimbra. Willkomm publica na base deste herbário em colaboração com o botânico dinamarques Johann Martin Christian Lange entre 1861 e 1880 a primeira Flora de Espanha Prodromus Florae Hispanicae (Willkomm & Lange, 1861-1880)[8][9] que constitui uma obra de consulta obrigatório para todos os estudiosos de botânica da Península Ibérica.
A última obra de Willkomm, Grundzuege der Pflanzenverbreitung auf der iberischen Halbinsel.[10], publicada em 1896, serviu certamente de base para o guia de Polunin & Smythies. Assim o guia de “Polunin & Smythies”
é na realidade já uma “revisita” numa sequência de visitas já bastante
antigas de botânicos para a Península Ibérica no âmbito de estudos da
sua valiosa Flora.
Como os textos originais escritos em inglês e em alemão não são de fácil acesso, gostariamos de apresentar neste blog as “23 plant hunting regions” da obra “Flowers of South-West Europe” de Polunin & Smythies (e algumas mais) e ilustrar estas regiões com mapas para
possibilitar uma melhor orientação nestes locais. Também não é sempre
fácil encontrar as regiões descritas por Polunin & Smythies por um
mapa de estradas, uma vez que os locais descritos são frequentemente
sítios isolados e pouco conhecidos. Apenas recentemente com ajuda da
pesquisa no Google consegue-se localizar muitas destas regiões e locais
com mais facilidade. No entanto, estas regiões com características
botânicas valiosas podem também apresentar ilhas e refúgios de uma
agricultura e medicina tradicional, e de outras estruturas sociológicas
humanas tradicionais, possivelmente em vias de desaparecimento. Queremos
introduzir nesta “revisão” da obra do “Polunin & Smythies”
também uma componente nova de observação e interrogação sobre ligações
entre Homem e Natureza em regiões não ou pouco perturbados. A
conservação da biodiversidade é um dos objectivos primordiais da
ecologia actual e passa necessariamente também pela conservação da
diversidade das tradições e costumes humanos, tomando em consideração
possíveis danos que uma destruição do equilibrio entre Homem e Natureza
pode causar. Quase todas paisagens consideradas naturais ou
semi-naturais são na realidade um produto e espelho da acção e
interacção diversificada do homem.
Mas
existem outros factores do que o facilitado acesso às regiões isoladas
que contribuem hoje para alterações possíveis no comportamento e nos
costumes das pessoas que habitam estas zonas frequentemente isoladas. Em
1846 quando Moritz Willkomm visitou o Algarve e em 1973 quando o “Polunin & Smythies”
foi escrito, o Algarve era uma região quase desconhecida por
estrangeiros. Ainda em 1971 a ‘Praia de Falésia’ entre Olhos de Água e
Vilamoura foi visitada apenas por meia dúzia de turistas excêntricos.
Hoje esta praia tem dezenas de milhares de visitantes em cada mês do
verão até ao inverno. O “Pinhal do Conselho” que se estendia atrás da
Praia da Falésia era riquíssimo em geófitos e em espécies raras, mas foi
destruído pelas urbanizações e campos de golfo dos imobiliários e pela
industria selvagem do turismo.[12] Mas
também a população “indígena” (como pescadores que não tinham defesas
contra esta invasão) foi seriamente danificada ou destruída. Muitos dos
jovens pescadores que abandonaram a sua profissão caíram mais tarde no
consumo de álcool ou de drogas e destruíram assim a sua vida. Para
alguns foi uma quase total perda das suas raízes.
Outro caso de destruição ambiental e possivelmente da flora autóctona da região é o caso da Costa del Sol na Espanha e em particular da parte oriental por sul do Cabo de Gata que há 30-40 anos era uma zona desértica, no entanto com a flora muito rica (2500 espécies de plantas na província de Almeria e ca de 1000 espécies de plantas vasculares apenas no Cabo de Gata. 75% destas 1000 espécies são exclusivos do mediterrânico, 12% são Endemismos africo-ibéricos e 12% só únicos da Península Ibérica. 6 espécies são encontradas exclusivamente no Cabo de Gata. Esta região sofreu profundas alterações e começou a ter um dinamismo próprio devido à métodos novos e intensivos de agricultura de forma que a área está neste momento parcialmente e em algumas zonas totalmente coberta por plásticos. Visto pelas imagens satélites parece que “nevou no deserto”. As consequências para a flora e fauna e para estruturas sociológicas da população e dos migrantes são ainda desconhecidas. Assim, podemos ficar na espectativa que as regiões do “Polunin & Smythies”, além do seu valor botãnico, representam provavelmente também uma amostra imparcial de regiões ecologicamente e antropologicamente valiosas e sensíveis e com características bem diferentes do resto da Península Ibérica.
Parte oriental da Costa del Sol (Espanha)
“Neve no deserto” - zona de implantação de estufas na província de Almeria (Espanha)
Temo
nós de interrogar se estas transformações da paisagem deixam ainda
espaço para uma flora característica e endémica e para uma convivência
harmoniosa e saudável dos habitantes desta região com a Natureza?
Aqui
um texto (traduzido de alemão para português) sobre o cultivo em
estufas nesta área e sobre as condições humanas neste ambiente[13][14] que já deve dar uma resposta parcial à estas perguntas:
Maior estufa do Mundo
Folhas
de plástico sujos e cinzentas, até par onde o olhar chega. O "mar de
plástico" entre El Ejido e Almeria, no sul da Espanha ocupa uma área de
aproximadamente 350 quilômetros quadrados - que é maior do que o Lago de Neusiedl. Nesta
paisagem artificial, provavelmente a maior estufa do mundo, crescem
tomates, pepinos e pimentões que fornecem comer à metade da Europa -
especialmente nos meses de inverno.
Condições de trabalho inaceitáveis
Mas
neste mar de plástico vivem também os trabalhadores, dezenas de
milhares de pessoas, bem camuflados nos seus "Chabolas", barracas de
papelão e resíduos plásticos. "... normalmente não maior do que dois
metros por dois metros e equipado com uma cama improvisada -, sem
electricidade, água e saneamento, sempre com medo de serem presos pela
polícia e expulsos do país " (Europäisches BürgerInnenforum, Março de 2005)
96% dos trabalhadores no ramo da agricultura na província de Almería são migrados. Eles provêm dos países Magreb, países por sul do Sahara, da América latina e da Europa de leste. No total são cerca de 96.000 pessoas que trabalham sazonalmente na agricultura nesta região.
Aqui mais umas imagens emocionantes deste drama humano e ecológico no sul-oeste da Península Ibérica:
E
também uns exemplos de plantas endémicas do Sul da Península e de
África do Norte ou até confinadas à região de Almeria e do Cabo de Gata:
Cistanche phelypaea
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Phlomis almeriensis
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Sideritis osteoxyla
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Rosmarinus eriocalyx
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Asteriscus pygmaeus
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Euzomodendron bourgeanum
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Gostavamos também de saber qual o estado actual de conservação de espécies como estas
e qual a tendência provável da sua protecção futura. Podemos comparar o
estado actual com o do tempo de “Polunin & Smythies”
que é apenas um passado de 30-40 anos - nada em relação às milhares e
milhões de anos que estes endemismos e espécies raras precisaram para a
sua evolução - e tentar extrapolar para um futuro incerto.
Mas temos outros exemplos de alterações profundas nas estruturas destas regiões do “Polunin & Smythies”: No Norte de Portugal, na Galiza e na Cordilhera Cantâbrica existem algumas espécies de galináceos, como o urogallo (Tetrao urogallus) - que nidificava provavelmente na Serra do Gerês e que já não se encontra em Portugal há mais do que 100 anos, a charella (Perdix perdix), a perdix-vermelha (Alectoris rufa)
e outros que demonstram todas uma diminuição e declínio alarmante da
sua distribuição e densidade populacional. O urogallo cantâbrico (Tetrao urogallus ssp. cantabricus) e a charella ibérica (ou perdix-cinzenta) (Perdix perdix ssp. hispaniensis),
endémicas do Norte da Península Ibérica e que encontraram outrora
também no Norte de Portugal, encontram-se mesmo actualmente em vias de
extinção.
O Tetraz-grande (urogallo) (Tetrao urogallus)
O mesmo é o caso para alguns mamíferos de grande porte como o urso pardo cantábrico Ursus arctus ou o lince-ibérico (Lynx pardina). Sobretudo
a fragmentação das paisagens e intensificações na agricultura, mas
também o turismo, métodos de caça furtiva, etc. devem causar que estas
espécies já não têm o espaço necessário para manter populações viáveis e
que se encontram assim em perigo de desaparecer. Estas espécies podem
ser salvas talvez apenas por libertação em zonas protegidas após criação
em cativeiro.
No
entanto e muito no sentido de querer ajudar à própria Natureza, existem
grandes esforços de salvação destas espécies. Assim existem sempre
esperanças como as notícias no blog IberiaNature indicam:
Urso europeu nas Cantábricas Ursus arctos ssp. arctos (Foto: Javier Naves)
O lince-ibérico (Lynx pardina) que se encontra ainda em poucas regiões do Sul-Oeste da Espanha e de ?Portugal (?Serra da Malcata).
Pelo lado positivo, foram criadas desde a primeira publicação do livro muitas novas zonas protegidas em Portugal e na Espanha. Algumas delas já são Reservas de Biosfera e tomam em conta a interacção humana com a paisagem. Aqui os mapas que mostram a distribuição de reservas que existem actualmente em Portugal e na Espanha:
Zonas de Proteção Especial (ZPE) em Portugal
no âmbito da “Directiva Aves” da Rede Natura 2000
A
política de Conservação da Natureza da União Europeia no interior do
seu território baseia-se fundamentalmente em dois documentos: a Directiva do Conselho 79/409/CEE relativa à protecção das aves selvagens ( conhecida por "Directiva das Aves") adoptada em Abril de 1979 e a Directiva do Conselho 92/43/CEE relativa a conservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens (conhecida por "Directiva Habitats") adoptada em Maio de 1992.
Estas
directivas estabelecem as bases para a protecção e conservação da fauna
selvagem e dos habitats da Europa apontando para a criação de uma rede
ecológicamente coerente de áreas protegidas denominada Rede Natura 2000.
Esta última será constítuida por:
1. Zonas de Protecção Especial (ZPE) destinadas
a conservar as 182 espécies e sub-espécies de aves contidas no Anexo I
da "Directiva das Aves" bem como as espécies migradoras;
2. Zonas Especiais de Conservação (ZEC) que
visam conservar os 253 tipos de habitats, 200 animais e 434 plantas
constantes dos anexos da "Directiva Habitats". A finalidade primeira
desta rede é a de manter ou recuperar habitats e espécies
garantindo-lhes um estatuto de conservação favorável.
Desde
1995, Espanha recebeu um número crescente de turistas estrangeiros (no
total o número cresceu de 34,9 milhões em 1995 para 52,2 milhões em
2009. Espanha tem actualmente 14 Parques Nacionais que assumam funções
significativos educativos e de lazer (em 2008 a rede dos Parques
Nacionais de Espanha com cerca de 347.000 ha recebeu 10,2 milhões de
visitantes - e 9,9 milhões em 2009). Com este número elevado de
visitantes, mesmo as regiões mais remotas começam a ser ameaçadas de
serem alteradas e deterioradas por introdução de novas infra-estruturas
acompanhantes ao turismo e de novos hábitos e costumes de cultura
antropológica, com consequências ainda desconhecidas. Igualmente as
doenças psiquiátricas podem aumentar nestas regiões. E em fim, a própria
flora e fauna, até agora nestas ilhas ou refúgios ainda resoavelmente
conservada, corre sem sombra de dúvida graves riscos de perda ou de
extinção. A situação não é a mesma como na altura quando Polunin e Smythies visitaram
estas regiões há 30 ou 40 anos atrás. Devemos tentar compreender se a
riqueza florística se mantive até agora e se os costumes e hábitos
antropológicos se conservaram também. Para algumas das regiões como o
Algarve ou a Costa del Sol temos infelizmente de constatar que isso já
não é o caso. Estas regiões (ou uma grande parte delas) são
definitivamente e para sempre destruídas sobre aspectos da sua
biodiversidade de flora e fauna autóctone admitindo que a evolução de
uma espécie nova será um processo lento que demora na regra e no mínimo
centenas de milhares de anos. Temos a obrigação de estudar a sistémica
dos refúgios biológicos valiosos ainda existentes para poder tentar
salvar o que restou até agora - se ainda acreditamos nessa
possibilidade.
Mas
a mais poderosa arma para esta salvação será um crescente amor para a
Natureza, para as plantas e os animais e em fim para o próprio Homem.
Este amor tem de ser alimentado pela apreciação da beleza da Natureza,
das suas formas, do seu cheiro, do orvalho da manha e do nascer e por do
sol. Não são os meios da Informática ou das Novas Tecnologias que podem
transmitir estas sensações, apenas podem ajudar na sua transmissão. Na
consequência, devemos continuar a visitar estes lugares valiosos com o
devido respeito para a sua conservação e para obter uma mais valia e um
enriquecimento da nossa mente. Uma das tarefas importantes
“em procura de tempo perdido” num reencontro de equilibrio individual
será assim sem dúvida a procura para uma deaceleracção da vida
tecnológica moderna - um caminho importante na procura de qualidade de
vida melhor e de mais felicidade individual e colectivo (veja filme sobre o tema).[15]
Veja à seguir:
[1] Citação em Claude Lévi-Strauss (1908-2009), ‘Tristes Tropiques’. (Translated by John Russell). Uma citação de: François-René de Chateaubriand (1768-1848) - Voyage en Italie.
[2] Oleg Polunin, Bertram Evelyn Smythies: Flowers of South-West Europe: A Field Guide. Oxford University Press, 1973
[3] Tradução espanhola do livro: Guía de campo de las flores de España, Portugal y sudoeste de Francia
Author: Oleg Polunin; Bertram E Smythies Publisher: Barcelona : Ediciones Omega, 1977.
[5] Devesa Alcaraz JA & Viera Benítez MC 2001 Viajes de un botánico sajón por la Península Ibérica. Heinrich Moritz Willkomm (1821-1895) Servicio de Publicaciones de la Universidad de Extremadura, Cáceres. 375 pp PDF
[10] WILLKOMM, M. (1896) - Grundzuege der Pflanzenverbreitung auf der iberischen Halbinsel. In Sammlung von Engler, A. und Drud, O.: Die Vegetation der Erde. Engelmann. Leipzig. Esta obra foi publicada já post mortem de Willkomm que morreu em 26 de Agosto de 1895.
[12] No entanto, Willkomm já tinha descrito em 1846 este pinhal velho e louvado a beleza e o valor botânico deste pinhal (-> Zona centro do Algarve).